
A valorização do cacau em geral no mercado internacional trouxe um efeito colateral para as fábricas de chocolate de origem ‘Sul da Bahia’, que usam as amêndoas especiais. Sem apontar o percentual de reajuste nos preços, os chocolateiros se preparam para a Páscoa e buscam alternativas com criatividade para minimizar os aumentos que precisam repassar aos consumidores.
Consequência principalmente de eventos climáticos de seca nos países da África, maiores produtores mundiais, a commodity acumulou aumento de preços de 150% na bolsa de Nova Iorque em 2024, enquanto que na Bahia o crescimento médio foi de 116,3%.
O dado estadual é da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), que apontou o crescimento no preço do quilo do cacau exportado de US$ 4,36 em 2023 para US$ 9,44 no ano passado. Economista da SEI, Arthur Cruz frisou que “em 2024, nenhuma commodity agrícola valorizou-se tanto quanto o cacau”.
Para 2025 a perspectiva é que o produto seguirá em alta, “mas especialistas preveem ajustes nas cotações a partir do primeiro trimestre”, disse ele, afirmando que “ainda deveremos ter preços elevados, mas acredita-se em um ajuste nas cotações na casa entre US$ 7,0 mil e US$ 9,0 mil a tonelada”.
O reflexo do preço na produção do chocolate especiais é percebido com maior intensidade entre chocolateiros que não têm produção própria suficiente do cacau fino, matéria-prima principal dos chocolates artesanais conhecidos pelo modelo ‘bean to bar’ (da amêndoa à barra). Estes necessitam comprar de terceiros.
Produzidas em um processo mais demorado que o cacau normal, as amêndoas finas são a base dos chocolates que destacam o estado com premiações nos principais eventos mundiais do setor. Pelas técnicas empregadas na produção, custam perto de 100 % mais que o cacau comum.
De acordo com o presidente da Associação dos Produtores de Chocolate de origem do Sul da Bahia, Gerson Marques, muitos cacauicultores que dominam a técnica e produziam o cacau especial, “deixaram de fazer, porque optaram por commodity, que está pagando muito bem”.
A associação conta com 24 fabricantes e, embora não tenha o total de chocolate que produziram nos últimos anos, “calculo em torno 80 a 100 toneladas chocolate been to bar origem sul Bahia/ ano região”, disse, destacando que neste volume não consta a produção das três maiores indústrias.

Produtor há 11 anos de chocolates finos da marca Yrerê, em Ilhéus, com 12 linhas diferentes de cacau e açúcar, Marques pontuou que cada associado está buscando as suas estratégias, entre os diferentes cenários e que no final deste semestre terão um seminário para tratar do tema.
“Somos empresas de médio e pequeno porte, todos sofrendo as consequências da queda na margem de lucro”, disse, acrescentando a situação provocou um processo de descapitalização que preocupa o setor.
Com 16 premiações internacionais, a Benevides Chocolates, de Itabuna, reduziu a produção de 3,5 toneladas no ano de 2023 para cerca de duas toneladas no ano passado, de acordo com Leilane Benevides. Ela explicou que “no início de 2024 a gente pagava em torno de R$32 pelo kg do cacau (especial). Hoje esse valor chega a ultrapassar R$100 o kg”, argumentou.

Além do preço alto da amêndoa fina, eles passaram a ter dificuldade de encontrar o produto. A curto prazo, uma solução foi suspender a produção dos chocolates com maior concentração de cacau e produzir apenas sob encomenda, deixando de reabastecer pontos de venda.
Com seis anos de mercado e 14 sabores em tabletes, uma solução a longo prazo foi o investimento na área de cacau que era usada apenas para visitação de turistas. Com adubação e replantio de mudas, a primeira colheita forte está prevista para 2026.
“O reflexo para o consumidor é inevitável”, afirmou Leilane, destacando que em um ano “nosso tablete saiu de R$18 para R$32. Mas, a demanda não caiu. Pelo contrário, tem sido crescente. Percebemos que a maioria de nossos consumidores já tratam os produtos como uma iguaria e um presente de luxo, e reconhecem o valor como justo”, ressaltou.

Também a Cooperativa de Serviços Sustentáveis da Bahia (Coopesba), que mantém a fábrica de chocolates Natucoa, aumentou os preços dos seus produtos veganos. Constituída de agricultores familiares, a cooperativa mantém a fábrica de chocolates Natucoa e, de acordo com a presidente, Carine Assunção, não teve redução na produção, apesar do preço alto do cacau.
“Nós mantivemos a produção normal”, disse ela, ressaltando como uma das soluções encontradas para manter o ritmo, foco na confeitaria com produção de bombons recheados. “As pessoas gostam desta linha”, afirmou, ressaltando que neste momento tem a vantagem de consumir menos cacau na composição.
Para suprir a demanda do cacau fino para as receitas, “fazemos a compra de cacau mole (sementes frescas) num assentamento que tem associados da cooperativa”, explicou, acrescentando que uma produtora cooperada faz o processo que qualifica as amêndoas para especiais.

DOCE PÁSCOA – A Bahia se destaca na produção brasileira de cacau e tem mais de 100 marcas de chocolates artesanais, conforme o diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), Jeandro Ribeiro. Ele salientou que o aumento do preço das amêndoas “tem um impacto pequeno na produção, porque chocolate tem muito valor agregado”.
Segundo Ribeiro, “não existe risco de desabastecimento. Temos a segurança que não faltará chocolate no mercado para a Páscoa”, afirmou, destacando que os chocolates artesanais da Bahia estão cada vez conquistando mais espaço no mercado estadual e nos grandes centros urbanos do Brasil.
Para manter a competitividade de chocolates finos, “os reajustes estão sendo repassados aos consumidores bem abaixo do aumento das amêndoas”, pontuou o gerente comercial da Bahia Cacau, Josivaldo Dias. A fábrica instalada em Ibicarai, faz parte da Cooperativa da Agricultura Familiar e Economia Solidaria da Bacia do Rio Salgado e Adjacências (Coopfesba).

Com perspectiva de aumentar as vendas em 10% sobre a Páscoa de 2024, “vamos priorizar a produção de ovos em gramatura de 150g e 200g com os percentuais de 35% e 50% cacau”, revelou. Ele explicou que o chocolate fica mais suave e o preço fica mais acessível, “para que as famílias possam comprar chocolate especial sem impactar tanto o orçamento mensal delas”.
“A Páscoa é o momento maior do setor de chocolates”, de acordo com o presidente executivo da Associação Brasileiras das Indústrias de Chocolates, Amendoim e Balas(Abicab), Jaime Recena.
Ele afirmou que a expectativa para este ano é de uma Páscoa igual ou melhor do que em 2024, quando 58 milhões de ovos de Páscoa foram para o mercado. Vale salientar que essa produção é industrial, com uso das amêndoas comuns e a produção artesanal das fábricas baianas tem como base o cacau fino. Os dois tipos estão impactados pelos preços do mercado internacional.