O cacau da África tem sabor de exploração infantil
Escravização velada ainda persiste nas áreas de cultivo
Alex Pantera
A exploração do cacau em países africanos como Costa do Marfim e Gana não é um fenômeno recente. A história da produção de cacau nesses países está profundamente ligada à colonização e à imposição de práticas econômicas que perpetuaram a exploração dos recursos locais em benefício das potências coloniais. Costa do Marfim, que hoje é responsável por cerca de 40% da produção mundial de cacau, começou a cultivar o fruto no início do século XX, durante o domínio francês. Gana, o segundo maior produtor, teve sua produção de cacau intensificada ainda no século XIX, durante o período colonial britânico.
Historicamente, as colônias africanas foram moldadas para atender às demandas do mercado europeu, e essa dinâmica continuou após a independência desses países na segunda metade do século XX. As elites locais assumiram o controle da produção, mas o modelo econômico exploratório permaneceu, com grandes corporações estrangeiras garantindo que os pequenos agricultores mantivessem suas atividades sob condições desvantajosas. A introdução do cacau como cultura de exportação contribuiu para a criação de uma dependência econômica que deixou os países africanos à mercê de preços definidos pelos mercados globais, controlados por países e empresas mais ricas.
A escravidão velada na produção de cacau persiste de várias formas. Estudos indicam que mais de 1,5 milhão de crianças trabalham nas plantações de cacau na África Ocidental, muitas vezes em condições perigosas, com jornadas longas e pesadas, sem acesso à educação ou perspectivas de uma vida melhor. De acordo com relatórios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o uso de trabalho infantil na produção de cacau se tornou um grande problema, especialmente na Costa do Marfim e em Gana, onde muitas dessas crianças acabam sendo traficadas de países vizinhos, em um ciclo de exploração que ecoa práticas de trabalho escravo.
Além do trabalho infantil, os próprios agricultores adultos vivem em uma situação de quase escravidão, sendo forçados a vender seu cacau a preços extremamente baixos, o que os impede de acumular capital suficiente para melhorar suas condições de vida ou expandir suas produções. A falta de acesso a crédito, tecnologias e infraestrutura torna esses produtores reféns de um sistema que perpetua a pobreza. Mesmo com a abolição formal da escravidão, a realidade de muitos trabalhadores do cacau continua a ser de exploração severa.
No cenário atual, as grandes multinacionais do setor de alimentos e chocolate controlam a maior parte do comércio global de cacau. Empresas como Nestlé, Mars, Hershey’s e Barry Callebaut dominam o mercado, comprando cacau a preços mínimos, enquanto seus lucros aumentam substancialmente. O monopólio dessas empresas sobre a produção africana se baseia em uma dinâmica que permite que elas manipulem os preços de compra, reduzindo o valor pago aos agricultores. Ao mesmo tempo, essas empresas frequentemente não são responsabilizadas por garantir condições de trabalho justas nas plantações de onde adquirem suas matérias-primas.
Esse cenário tem implicações diretas para outros produtores de cacau ao redor do mundo, incluindo o Brasil, que também é um importante produtor de cacau. A produção de cacau no Brasil tem raízes históricas profundas, com destaque para a região sul da Bahia, que desde o século XIX se consolidou como o principal polo produtor do país. Nos anos 1980, o Brasil chegou a ser o segundo maior produtor de cacau do mundo, mas foi atingido por uma crise com a chegada da “vassoura-de-bruxa”, uma praga que devastou as plantações baianas.
Desde então, a produção de cacau no Brasil, especialmente na Bahia, passou por um processo de recuperação. No entanto, os pequenos produtores brasileiros, assim como os africanos, enfrentam os desafios impostos por um mercado global dominado por grandes corporações, que pressionam os preços para baixo, dificultando a vida dos agricultores e limitando sua capacidade de crescimento.
A exploração dos produtores africanos também afeta o mercado brasileiro, pois a baixa remuneração paga aos africanos impacta os preços globais do cacau, pressionando os produtores baianos a competir com preços artificialmente reduzidos. O Brasil, sendo um importante produtor, especialmente no sul da Bahia, pode ver seus pequenos agricultores prejudicados por essas práticas desleais, já que o preço global do cacau tende a ser ditado pela produção em massa e barata da África Ocidental.
Para combater essa exploração, tanto na África quanto no Brasil, a formação de cooperativas e associações de produtores é fundamental. Na Bahia, o movimento cooperativo já existe, mas precisa de maior apoio para se fortalecer frente às pressões do mercado global. Essas associações são essenciais para permitir que os pequenos produtores negociem preços melhores e tenham acesso a mercados mais justos, evitando a venda “a preço de banana” que tantos agricultores enfrentam atualmente.
No contexto internacional, há iniciativas como o Fair Trade (Comércio Justo), que buscam garantir que os agricultores sejam pagos de maneira justa e que as condições de trabalho sejam adequadas. No entanto, essas iniciativas ainda cobrem uma pequena parte do mercado e precisam ser ampliadas para ter um impacto mais significativo. A organização dos produtores e a pressão por regulamentações internacionais mais rígidas sobre o comércio de cacau são passos cruciais para acabar com esse ciclo de exploração que perdura há séculos.
Em resumo, a exploração do cacau na África e os efeitos no Brasil refletem um sistema global profundamente desigual. A perpetuação de uma escravidão velada nas plantações de cacau africanas alimenta as indústrias globais do chocolate, ao mesmo tempo que prejudica produtores em outras partes do mundo, como no Brasil. A união de pequenos agricultores em associações e a promoção de práticas comerciais mais justas são essenciais para reverter esse quadro e garantir que a produção de cacau não seja apenas lucrativa para grandes corporações, mas também para os agricultores que sustentam esse mercado global.
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Alex Pantera – Frente Nacional de Negros e Negras