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No Sul da Bahia, cacau também é símbolo de resistência

Comunidades quilombolas e indígenas valorizam produção sustentável

Alex Pantera

 

O sul da Bahia é uma região marcada por uma história de resistência e preservação cultural, protagonizada por comunidades quilombolas e indígenas que, por séculos, mantiveram vivas suas tradições e modos de vida. Um dos maiores símbolos dessa resistência é o cultivo do cacau, que se entrelaça com a história dessas populações e com a preservação ambiental. Atualmente, estima-se que existam cerca de 2.000 comunidades quilombolas certificadas no Brasil, sendo que aproximadamente 84 delas estão localizadas no estado da Bahia, com uma expressiva presença na região cacaueira. Somado a isso, os povos indígenas, como os Pataxós e Tupinambás, também desempenham um papel crucial na defesa da biodiversidade e da agricultura tradicional.

Essas comunidades têm sido guardiãs do cacau, em especial através de um sistema agroflorestal chamado “cabruca”, onde as árvores de cacau são plantadas sob a sombra da Mata Atlântica. Esse sistema permite a produção de cacau sem a devastação florestal, mantendo mais de 70% da cobertura vegetal original. A área preservada por esse tipo de cultivo na região sul da Bahia cobre aproximadamente 500 mil hectares, formando um verdadeiro cinturão verde em um dos biomas mais ameaçados do mundo. A preservação ambiental promovida pelas práticas quilombolas e indígenas não só protege a biodiversidade local, como também oferece um produto de alta qualidade que tem conquistado o mercado global.

O cacau produzido por essas comunidades tem se destacado no cenário internacional. Dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) apontam que, em 2021, o Brasil produziu cerca de 245 mil toneladas de cacau, com a Bahia sendo responsável por mais de 70% dessa produção. Dentre essa produção, o chamado “cacau fino” ou “cacau gourmet”, majoritariamente cultivado por pequenos produtores e quilombolas, tem alcançado preços até 300% superiores ao cacau comum no mercado internacional. Isso reflete o reconhecimento pela alta qualidade do cacau baiano, especialmente o produzido de forma sustentável e tradicional.

Contudo, os desafios são imensos. As grandes corporações do agronegócio dominam boa parte da cadeia produtiva, impondo barreiras comerciais e tecnológicas para pequenos produtores. Enquanto gigantes internacionais do chocolate detêm vastos recursos para produção em larga escala e distribuição, os pequenos agricultores, muitas vezes organizados em cooperativas locais, enfrentam dificuldades de acesso a crédito, infraestrutura e certificação de seus produtos. Além disso, a competição desleal com monoculturas de cacau, muitas vezes baseadas em práticas predatórias, fragiliza ainda mais as economias locais sustentáveis.

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) apontam que a maioria das comunidades quilombolas do sul da Bahia ainda enfrenta barreiras legais para a titularização de suas terras, um processo que avança lentamente. Essa insegurança fundiária prejudica diretamente os quilombolas e indígenas, que dependem de seus territórios para a produção do cacau e outras culturas de subsistência. Para se ter uma ideia, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) oferece linhas de crédito especiais para esses produtores, mas menos de 15% dos quilombolas conseguem acessar tais recursos devido à falta de regularização fundiária e à ausência de políticas públicas mais inclusivas.

Frente a essa realidade, a criação de condições justas para que os pequenos produtores quilombolas e indígenas possam competir no mercado global de cacau torna-se uma questão urgente e necessária. É preciso investir em capacitação técnica, promoção do comércio justo, certificação de cacau orgânico e ecológico, além de abrir canais de comercialização direta entre esses produtores e consumidores internacionais. O Brasil, hoje, está entre os maiores exportadores de cacau do mundo, mas o fortalecimento dos pequenos produtores é fundamental para garantir a permanência dessas comunidades em seus territórios e a continuidade de suas práticas agrícolas sustentáveis.

Além de representar uma importante fonte de renda para essas comunidades, o cacau é também um símbolo de resistência cultural. As festividades em torno do cacau, como a tradicional Festa do Cacau em Ilhéus, têm raízes que remontam às tradições quilombolas e indígenas, evidenciando a centralidade desse fruto na vida dessas populações. O sul da Bahia é, sem dúvida, uma das regiões mais ricas cultural e ecologicamente do país, e garantir que o cacau continue sendo um meio de subsistência para esses povos é também preservar uma parte essencial da história e identidade do Brasil.

Diante desses desafios e oportunidades, é imperativo que o Estado brasileiro, em parceria com organizações não governamentais, universidades e o setor privado, crie mecanismos robustos para apoiar os quilombolas e indígenas na produção e comercialização do cacau. Essa é uma tarefa que envolve não só a proteção dos direitos territoriais, mas também a promoção de práticas agrícolas sustentáveis que possam competir de forma justa no mercado internacional. Ao fazê-lo, estaremos não apenas promovendo a economia local, mas também contribuindo para a preservação de um patrimônio cultural e ambiental de valor incalculável.

Conclusão

O cacau do sul da Bahia, cultivado por comunidades quilombolas e indígenas, transcende o mero aspecto econômico, representando uma verdadeira intersecção entre a preservação ambiental, a resistência cultural e a justiça social. Essas populações, que preservam práticas sustentáveis e milenares, encontram-se diante de enormes desafios para competir com o mercado global dominado por grandes corporações. Portanto, é essencial o fortalecimento de políticas públicas e iniciativas que viabilizem o acesso a recursos, a regularização fundiária e a inserção no comércio internacional de forma justa. Promover o cacau dessas comunidades não é apenas impulsionar uma economia local, mas também preservar a biodiversidade e a rica herança cultural que moldou essa região ao longo dos séculos. O futuro do cacau no Brasil passa, necessariamente, pela valorização dos pequenos produtores, cuja história de resistência e conexão com a terra deve ser celebrada e protegida como um patrimônio inestimável.

 

 

Alex Pantera  é integrante da  Frente Nacional de Negros e Negras

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