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Sagarana, o ´tree to bar` do Sul da Bahia que conquistou o mundo

A história de trabalho e sucesso da Fazenda Sagarana Chocolate de Origem

por Henrique Almeida
O cacau está na nossa família desde minha avó, Alice Amorim de Almeida, nascida em 1886. Começa então a produção na Fazenda Concórdia em Ilhéus. Vó Alice casou-se com Firmino Eloy de Almeida, engenheiro agrônomo, que terminou vendendo a fazenda por um desentendimento familiar. 
 
Quis o destino que seu irmão, Afrânio Calasans Amorim, não tivesse filhos, então com a morte dele, vó Alice e sua irmã Adalgisa, herdaram as fazendas Pinheiro e São Benedito, em Uruçuca, antiga Água Preta, que era distrito de Ilhéus. Nessas fazendas, tive meus primeiros contatos com o cacau, ainda criança, pois meu pai, Cesar Amorim de Almeida, o caçula de dez filhos, em um determinado momento desta trajetória, assumiu a administração de ambas.
 
Passei a vida acompanhando meu pai nas fazendas de cacau. Com a decadência da cacauicultura, após a praga “vassoura-de-bruxa”, passei a administrar a Fazenda Pinheiro. Nunca quis esperar meu pai falecer para herdar a propriedade, então em 2007 comprei a Fazenda Sagarana, no município baiano de Coaraci.  
Alice Amorim, avó de Henrique
Cesar Amorim de Almeida, pai de Henrique
Já o chocolate, entrou na minha vida após o declínio da lavoura cacaueira, com a introdução da vassoura-de-bruxa na região. Na ocasião, eu era presidente da Associação dos Produtores de Cacau (APC), e fui provocado pelo produtor Eimar Sampaio para liderarmos a presença do Brasil no Salon Du Chocolat em Paris. O objetivo era captar clientes para o cacau fino do Brasil destinado ao mercado de luxo do chocolate na Europa. 
 
Em 2008, junto com Eimar e uma pequena comissão, fomos ao Salon du Chocolat em Paris, onde a Bahia tinha um stand privado, liderado por Diego Badaró, que vendia cacau fino para um produtor de chocolate francês. Após a viagem, enviei um relatório ao governo brasileiro, através do Ministério da Agricultura e das Relações Exteriores. E, no ano seguinte, 2009, foi montado o primeiro stand oficial do Brasil no evento, com apoio da APC. No mesmo ano, através da amiga Mirian Rocha, fui apresentado a Stephane Bonnat, e o presenteei com dois quilos de cacau fino da Sagarana, o nosso maranhão, durante o Salon.
                                        
Quando voltei ao Salon du Chocolat, em 2010, levei as primeiras barras de chocolate produzidos na fábrica da JAF INOX, empresa de equipamentos que fica em Tambaú, SP. A formulação deste chocolate foi desenvolvida por Mirian Rocha e Arali Pedroso. Ali nascia o Fazenda Sagarana Chocolate de Origem.
Cacau da Fazenda Sagarana

 

Bonatt e Henrique
Lembro-me que Bonnat ia passando em frente ao nosso stand e apresentamos o Sagarana a ele, que imediatamente abriu, cheirou, experimentou e falou: “Vocês fizeram um bom chocolate, qual cacau usou?”. Eu respondi que era o mesmo cacau maranhão que havia dado a ele no ano anterior. Ele não acreditou, achando que este varietal estava extinto por causa de vassoura-de-bruxa. Expliquei que não e ele disse que se José Luís Pires (CEPLAC), confirmasse, ficaria com minha produção. A primeira venda para Bonnat foi de 300kg de cacau e em 2020 embarcamos duas toneladas. 
barra de chocolate da Chocolat Bonnat com cacau maranhão da Sagarana

 

Ser produtor de Chocolate tree to bar é a realização de um sonho! O cacau é produzido em uma pequena fazenda, onde todos os colaboradores têm carteira assinada com seus direitos trabalhistas assegurados e com participação nos resultados financeiros. Isso ocorre através de pagamento de décimo quarto salário e pagamento de abono de São João, a festa mais importante para o homem do campo nordestino. É a forma que encontramos para garantir a diversão dos colaboradores sem gastar o salário do mês. Ressalto sempre que tudo isso só é possível pela produção do nosso chocolate de origem.
Fazenda Sagarana
Na Fazenda Sagarana, toda a produção de cacau é feita na ¨cabruca¨, um sistema agroflorestal onde o cacau é plantado sob as árvores nativas da Mata Atlântica do Sul da Bahia. Neste cenário, as espécies nativas como cedros, vinháticos, jequitibás, guapuruvu são preservadas. Logo, não é uma floresta plantada, e com isso toda flora e fauna nativa circulam livremente entres as fazendas, já que nas áreas de ¨cabruca¨ não existem cercas entre vizinhos. 
Em nossa fauna, temos tamanduás mirim, catitu, teius, onça sussuarana, entre outras espécies que estão preservadas na Fazenda Sagarana. Na mesma mata, conseguimos reciclar nutrientes com as folhas e frutos que caem naturalmente das árvores, resultando num solo rico em húmus, onde as minhocas trabalham muito. 
 
Cacau da Sagarana é exportado para a Europa
Aprendi desde cedo que são três fatores importantes no processo de fabricação do chocolate. Estes três tem que andar juntos: a qualidade da amêndoa, a qualidade do equipamento e a qualidade da mão de obra. Se qualquer um deles não estiver ajustado, o processo será comprometido. 
 
Na fazenda, dominamos todo o processo para obter as amêndoas, e estão na fábrica os outros dois fatores. Não vou entrar na discussão de que tipo de equipamento usar porque são muitos os aspectos para essa decisão, como tamanho da produção e recursos para aplicar, mas indiscutivelmente se o projeto é para atender uma produção em escala com qualidade não tenho dúvidas de que o refino com moinhos de rolos é o que há de melhor no mundo. Este é o processo que usamos desde o começo.
Aí entra uma referência importantíssima. A Bonnat Chocolat que tem mais de 130 anos de experiência na França, trocou alguns equipamentos deles pelos da JAF INOX. Temos orgulho de contar que nossa linha de produção é 100% da JAF INOX, e com isso ganhamos em nossos chocolates a mesma textura que os importados mais famosos. 
 
A garantia da qualidade das amendoas
Não entendo como fabricantes brasileiros de porte, optam por importar equipamentos da Europa em detrimento do que temos no Brasil. E, finalmente, ainda preciso sublinhar que na Sagarana  temos uma equipe fantástica, bem treinada, liderada no chão de fábrica por Kleber há oito anos, mas tudo isso com meu acompanhamento e mão na massa. 
 
O chocolate já está sendo um vetor importante no pacote turístico de Ilhéus e da região, lógico que tudo é muito novo, apenas dez anos, mas é impressionante como isso tem crescido. Preciso dizer que o Festival Internacional do Chocolate e Cacau, em Ilhéus foi o grande responsável por tudo isso. O evento foi criado por Marco Lessa, que é meu sócio junto com Alexandre Reis na fábrica. 
 
Não tenho dúvida de que temos tudo pra ter o maior festival de chocolate do mundo, e os números têm demostrado que eu estava certo. O chocolate entrou tanto na vida do turismo em Ilhéus que os atuais donos do Bataclan, Thais e Cacau, quando do aniversário de 100 anos do empreendimento imortalizado nas obras de Jorge Amado, lançaram um pequeno livro comemorativo desta data. 
 
Um dia eu estava almoçando lá e Cacau se aproximou. Eu o conhecia pouco, mas hoje somos grandes amigos. Ele me falou do projeto do livro e me pediu pra escrever um capítulo onde juntasse o Bataclan com o cacau e o chocolate, pedido atendido e artigo publicado.
 
O cacau vira chocolate de origem
A qualidade da amêndoa, dos equipamentos e da mão de obra são importantes, mas tudo começa na qualidade da amêndoa do cacau. O fato de ser ¨tree to bar¨ faz com que fique mais fácil ter esse controle, e nesse quesito há algo muito importante, o ¨terroir¨. Não que a genética não seja importante. Tanto é que o Chocolate Sagarana foi o primeiro chocolate varietal do Brasil com o nosso cacau forastero maranhão. 
 
Cacau forastero Maranhão
Como cita Miriam Rocha, este é o primeiro ¨grand cru¨ do Brasil. O ¨terroir¨ percebido em nosso chocolate é o conjunto de tudo isso, a genética, a área geográfica, o processo de colheita, fermentação, secagem, etc. Dou como exemplo da importância do ¨terroir¨ para o champagne, onde a uva usada para elaboração dos melhores e afamados espumantes do mundo é a ¨pinot noir¨ mas só o produzido na região de Champagne na França tem as características que lhe deram fama ao ponto de ser protegidas com um IG. Logo, a uva ¨pinot noir¨ é a mesma que é plantada em outras partes do mundo, a genética é a mesma, mas o ¨terroir” faz a diferença.
 
Dedicação, amor, parceria, cumplicidade, e confiança nas pessoas que fazem parte dessa história e reconhecê-las também. Miriam Rocha e Arali Pedroso fazem parte disso, tenho muito orgulho de ter em nossa linha o 61% DARK MILK, onde rendo minha homenagem na embalagem a Arali, que trato como minha madrinha. Essa formulação foi um toque que me foi dado por uma grande amiga, Luísa Abram, sobre os dark milk, então eu pedi à Arali essa formulação, onde só dei um ¨pitaco¨. Com orgulho, digo que há pessoas que consideram este dark milk o melhor dos chocolates da nossa linha, como por exemplo o chef belga Laurent Rezette. 
O chocolate do Sul da Bahia, para o mundo
Chocolate é lúdico, belo e sedutor, mas mudar uma concepção de mercado não é fácil, principalmente em um país com tantas desigualdades, contanto não é impossível. O melhor exemplo são os nossos vinhos. Há 20 anos, ninguém imaginava que um ¨merlot¨ brasileiro iria ser eleito como o melhor do mundo. Quanto aos nossos cafés, só dávamos importância ao volume, por sermos os maiores exportadores do mundo e hoje os vemos ganhando o mundo. Este é o caminho que o chocolate de origem do Brasil está trilhando e vamos chegar lá, não tenho dúvidas disso.
Sobre o paladar, sou totalmente contra a ditadura de certos percentuais, eu prefiro vinho merlot, você pode preferir cabernet. O que há de errado nisso? Esse preconceito contra os chocolates ao leite eu acho uma insanidade, pois temos excelentes chocolates ao leite. Veja só, o nosso 42,5% ao leite as pessoas acham fantástico. Nele eu cometo a loucura de usar ¨caviar” de baunilha de Madagascar, que custa um euro o grama mas dá uma nota amadeirada ao chocolate que muitos apreciam. Logo, o melhor chocolate é aquele que mais lhe agrada, como o chocolate é rico em serotonina dificilmente você não vai encontrar um que lhe agrade.
—–
texto  de Henrique de Almeida, publicado por Juliana Recuero Ustra, no projeto Chocolates do Brasil

Crédito das Imagens: acervo particular da Fazenda Sagarana.

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